A “PEJOTIZAÇÃO”
SOB A ÓTICA TRIBUTÁRIA
Rafael Quadros de Souza
O
termo “pejotização” surgiu no âmbito do Direito do Trabalho, buscando definir uma
modalidade de fraude à relação de emprego, aonde a pessoa física constitui uma
pessoa jurídica (geralmente empresa unipessoal, EI ou EIRELI), para ser
contratada pelo empregador, porém com as mesmas características da relação
empregatícia (subordinação, pessoalidade, não eventualidade, etc), com o fito
de esquivar-se dos encargos trabalhistas.
Assim,
os tribunais impuseram severas sanções a quem se servisse da “pejotização” para
a prática de atos ilícitos, como por exemplo, a prestação de serviços em que o
prestador é verdadeiro empregado, somente recebendo seu “salário” mediante a
emissão de notas fiscais, para fazer crer se tratar de uma relação comercial
(tomador x prestador de serviços).
Vale dizer que a
maioria das sanções atingem os empregadores (falsos tomadores) que, mediante o
reconhecimento do vínculo empregatício, são condenados a pagarem os direitos
trabalhistas aos empregados (falsos prestadores). Ocorre que as sanções também
podem atingir os próprios titulares das empresas, nos casos de reconhecimento
de fraudes, por exemplo, para ocultação de bens ou falsa distribuição de
lucros.
Ao mesmo tempo, a
legislação civil brasileira evoluiu no sentido de estimular o empreendedorismo,
acabando por promulgar a Lei 13.874/2019 (Lei da Liberdade Econômica) que
incluiu o artigo 49-A e parágrafo único ao Código Civil:
“Art. 49-A. A pessoa jurídica não se confunde com os
seus sócios, associados, instituidores ou administradores.
Parágrafo único. A autonomia patrimonial das
pessoas jurídicas é um instrumento lícito de alocação e segregação de riscos,
estabelecido pela lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a
geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos.”
O objetivo da lei é claro:
incentivar o desenvolvimento de atividades econômicas por meio de pessoas jurídicas,
inclusive por meio de empresa unipessoais.
Dito
isso, adentramos no campo do direito tributário e empresarial, salientando que
a pejotização é uma importante ferramenta de planejamento tributário. Nada de
comparar àquele conceito pejorativo surgido no direito do trabalho.
Muitas vezes a criação
de uma pessoa jurídica para prestação de serviços, por exemplo, acarreta uma carga
tributária bem menor, e ainda, retira prestadores de serviços da
clandestinidade e do anonimato jurídico.
Nada
impede que uma empresa, constituída de uma só pessoa, preste serviços a outras
pessoas jurídicas, legalmente contratada, recebendo pagamentos mediante emissão
de notas fiscais, inclusive se a empresa contratante for a sua única cliente! Existe
uma infinidade de fatores e provas que podem inibir o reconhecimento da relação
de emprego, começando por um contrato de prestação de serviços bem feito.
Um
contribuinte que detenha imóveis em seu nome e receba rendimentos pelas locações,
pode sim constituir uma pessoa jurídica para a administração de seus bens.
Obviamente que deverão ser comparadas as tributações na pessoa física e
jurídica antes da decisão, mas este não é um “indício de fraude”.
O
termo pejotização já é uma realidade na doutrina, jurisprudência e rotina dos
escritórios contábeis e de advocacia. Porém, aos poucos vamos entendendo que o
seu sentido não é pejorativo quando usado dentro dos parâmetros legais,
demonstrando-se uma importante ferramenta de planejamento tributário.